fevereiro 2008


A cidade toda ainda está em ritmo de carnaval. Não só a bendita, mas todo o mundo está neste ritmo, algo intolerante com o trabalho e permissivo com qualquer diversão, pulo ou grito. Até eu mesmo, que sonho desde o princípio de minha existência com a quarta-feira de cinzas que traz consigo o fim da profana festa, estou nesta situação e o que é pior, algo agravada pela falta de assunto.

Os cidadãos que alimentam blogs de futebol, porém, fornecem-me alguma coisa. Vejo nos blogs de Juca Kfouri e de Victor Birner a discussão a respeito do rebaixamento ou não do São Paulo no Campeonato Paulista de 1990.

A característica mais curiosa e dramática do Brasil é a eterna nostalgia do cartório. De vez em quando, parece-me que a alma profunda do brasileiro clama por um Sr. Silva, dono do cartório que aparece de quando em quando para lavrar os livros de registros e de sempre em sempre para apanhar o dinheiro apurado. Se me perguntassem, eu diria que os brasileiros não esperam um salvador da pátria. No fundo, esperam apenas que alguém registre (a vinda ou a espera, isto é irrelevante) , tire duas cópias, autentique e reconheça a firma no documento cartorial.

Como já dito anteriormente, nas conversas de bares parece que já não importa tanto quem busca a vitória, quem se preocupa com a luta diária, com o duro caminho e as conquistas. Basta somente que alguém declare: “Clube de Futebol Zaramongas é o maior de todos os tempos”. E pronto, todos iriam atrás, zaramongueando. Mas, exagero, claro.

Voltemos à discussão sobre o São Paulo de 1990. Consta que o time treinado por Forlan tomou alguns sacodes que lhe renderam uma risível colocação. Consta ainda que disputando uma tal repescagem, o tricolor paulista não conseguiu pescar nada, sendo obrigado a disputar a tal série A2 em 91. No entanto, a tal série A2 dava uma vaga direta nas semifinais do Campeonato Paulista mesmo de 91, que acabou vencido pelo São Paulo Futebol Clube. Os Mozarts e Darwins e Salomões responsáveis pelo regulamento evidenciam mais um grande talento nacional, que é dificultar o entendimento das regras de um campeonato- hábito, aliás, não só brasileiro, mas no qual somos especialistas.

Discute-se infindavelmente, desde então: O São Paulo caiu? Foi rebaixado ou não? É o único clube paulistano a não ser rebaixado? E são dessas discussões absurdas, atemporais, estupendas. O Corinthians levou o Mundial de 2000? O Flamengo é o campeão brasileiro de 87?

Imaginemos a cena. Chega o Sr. Silva. Exausto após a Terça-Feira Gorda, vem buscar alguns caraminguás que tenham restado no caixa do cartório. Todavia, não obtém sucesso no seu intento financeiro. Verdadeira confusão está instaurada na porta do Cartório. Alviverdes, alvinegros e tricolores se engalfinham atrás de alguma declaração oficial que assevere: Tal time foi rebaixado. Aquele não foi.

E o Sr. Silva fica nervoso. Mexe em todos os seus documentos, em toda aquela insana papelada burocrática que só um homem atado a uma camisa de força pode reputá-la neutra. E há resposta?

Nos fabulosos regulamentos brasileiros, encontramos a Taça de Prata dos anos 80. Encontramos um campeonato em que clubes classificaram-se graças à renda obtida. Encontramos a Sodoma e Gomorra de 1993, que trouxe 12 clubes à Primeira Divisão e impediu a existência de Segundas e Terceiras Divisões. Encontramos clubes que não foram rebaixados graças ao Tribunal – sim, refiro-me, por exemplo, ao Botafogo que conseguiu mágicos pontos de uma partida em que foi massacrado por 6 a 1.

E, então, me pergunto: Qual a relevância de se discutir históricos de rebaixamento a esta altura? Muito mais proveitoso seria relembrar cotidianamente as tramóias acontecidas ao longo da história do futebol brasileiro. Não para culpar um ou outro time específico, mas para pensar na tolice que é essa tradição cartorial e no mal que faz ao futebol. Grandeza, competitividade, glórias, nada disso o Sr. Silva pode entregar. O máximo que ele pode fazer é entregar um documento, passível de ter sido fraudado por algum subordinado seu, ao qual ele não controla, muito menos deseja fazê-lo.

Encerrado o recesso de Carnaval – durante o qual os integrantes do Quem é a bola? permaneceram em conserva nos seus devidos barris de álcool – este digníssimo blog retorna à luta diária frente aos parvos da bola. Há quem diga que, durante o fim de semana, a esférica correu pela grama tanto no Brasil quanto nesta outra parte da orbe que chamamos Mundo – mas, francamente, não temos notícia a esse respeito. Como imaginamos que a massa boleira está cansada das metáforas carnavalescas nas matérias sobre a nobre arte (“O bloco do Náutico está pronto”, “No quesito harmonia, o Botafogo é nota… dez (com a devida e clássica voz da apuração carioca)”, “Mano Menezes, como um verdadeiro mestre de bateria, comanda o Coringão”, “Renato Gaúcho pede que a comissão de frente tricolor ensaie pra valer” etc.), trataremos de analisar a ala lusófona da Libertadores 2008, sem prelúdios ou eufemismos, apontando quem vai pra final, quem cai nas oitavas, quem será atropelado pela zebra da temporada e quem, além de ser rebaixado no Paulistão, vai sair na primeira fase da competição.

SANTOS

Ocupando uma honrosa zona de rebaixamento estadual, o Santos tem tudo para dar vexame em 2008 e ser eliminado precocemente. A rigor, nenhum grupo da Libertadores é difícil, mas o assombroso Cúcuta pode estar preparando mais surpresas continentais e o Chivas mora longe – todo cuidado praiano será tão escasso quanto o oxigênio em Oruro, cidade do San Jose, esquadra que completa o grupo santista. Ainda com dor de cotovelo pela saída de Luxa, o clube não se acerta e, conseqüentemente, o time é um despropósito absoluto: nenhum futebolista joga bem, Fábio Costa quer surrar alguém, todo mundo pede vergonha na cara, Leão continua ostentando orgulhosamente sua falta de sutileza, as jovens revelações flutuam entre o time profissional e o bolso dos empresários e, veja você, a maior contratação, até aqui, foi a de Betão – que até parece um bom rapaz, mas que nasceu para administrar empresas ou para fazer carreira na obstetrícia. Pelo que li desde que retornei do recesso, o Santos agora aposta em jogadores hispano-americanos que certamente conheceu via DVDs grosseiramente editados – nova mania brasileira considerada deveras saudável pela crítica especializada (chegaram Molina, Michael Quiñonez e Sebastián Pinto – que, além de enfrentarem o problema de adaptação, provavelmente jogam pedrinhas). É necessário lembrar, contudo, que um time recheado de falantes de castelhano não é certeza de boa campanha na Libertadores – se falar espanhol fosse sinal de sucesso na América Rebelde e Profunda, o Flu seria eliminado por um time colombiano de segundo escalão.

FLUMINENSE

Será eliminado por um time colombiano de segundo escalão. As Laranjeiras, desde a conquista da Copa do Brasil, só comentam, só sonham, só praticam, só desejam a Libertadores. Tudo foi planejado, traçado, calculado. É necessário falar espanhol? Contrata-se o Conca. É necessário fazer gol? Joga-se com três atacantes. É necessário raça? Renato Gaúcho se empenha num patético discurso sobre ser impiedoso (como se empatar com Macaé não fosse questão de incompetência, mas de dó). Não se pode negar ao Flu, porém, o reconhecimento de todo o seu potencial e talento: Thiago Silva, Neves, Dodô, Conca, Washington, Arouca, Cícero, Leandro Amaral – só estes já formam uma esquadra respeitável, temível (listando assim, lentamente, dá até vontade de dizer que compõem o melhor elenco do país). Mas o tricolor sente a falta de um bom goleiro e da rescisão de contrato com Gustavo Nery. Além disso, a campanha do pó-de-arroz neste seu tão esperado retorno à Libertadores pode ser atrapalhada justamente pela longa ausência do clube na competição. Faltam experiência, uns calos e umas manhas. Como esquecer que Dodô, na histórica derrota do Botafogo para o River Plate, ano passado, avisava ao banco de reservas que sentia-se incomodado por uma forte dor de barriga? Caso a nossa previsão de pouca longevidade do Flu na competição se concretize, diretoria e torcida precisam compreender que, trabalhando mediocremente como se deve, podem chegar à segunda Libertadores seguida em 2009. Quem sabe até com o bi-brasileiro, quem sabe.

Boa parte da mídia e da torcida brasileira reclamava a sua presença na seleção. Após três décadas de Cafú, o torcedor ficou assombrado com a possibilidade de Maicon como titular absoluto da lateral direita pátria. Léo Moura nunca foi esse jogador todo, mas é claramente mais técnico que o rapaz da Inter de Milão. Merecia convocação? Por certo. Continuará a ser lembrado nas próximas chamadas?

Não creio. Primeiro porque está óbvio que ele não jogará e, caso jogue, não se encaixará no “esquema” de Dunga. Sendo praticamente um ponta, recebendo o título de ala e deficiente na marcação, Leo Moura perderá para Maicon (e até mesmo para Daniel Alves) na parte física e no combate aos avançados rivais. Como costuma dizer Gerson, Leo Moura é constituído, basicamente, de pele e osso – o que traz a vantagem de não estar exposto às contusões musculares, mas que gera problemas nas trombadas, nos empurrões, nos abraços durante os cruzamentos na área, nas tesouras e em outras práticas pouco saudáveis e de baixo valor estético, mas necessárias ao futebol.

Além disso, Leo Moura é velho. Perdoem-me a franqueza, mas considerando os seus 29 anos, o rapaz já estará dedicando-se ao showball em pouco tempo – junto com Maicon, Gilberto Silva (que atualmente está se esmerando em constranger todo o Emirates Stadium nas suas atuações pelo Arsenal), Lúcio, Mineiro, Josué e toda essa rapaziada que costuma carregar o piano. Portanto, Leo Moura não terá nenhuma longevidade no escrete – mas, como muita gente costuma achar que uma convocação acaba servindo como prêmio para uma temporada acima da média, tá tudo dentro dos conformes. Só duvido que o futebolista vá se contentar em enfrentar a Irlanda e guardar a única camisa canarinho que ele usou na vida para leiloar mais tarde no e-bay.

Nesta história de convocação de Leo Moura, o que me chama a atenção – e o que passa despercebido à mídia de narinas de cadáver – é a maledicência, a esperta estratégia de Dunga para iniciar o lateral rubro-negro na sua tenebrosa teoria do sofrimento. Ciente da atração do jogador pelas festas populares regadas a tonéis de álcool, sexo desenfreado e pancadaria gratuita, Dunga quis privá-lo disso. Segundo as teses do melhor treinador de seleções do mundo, para chegar à seleção, o futebolista precisa passar por provações comparáveis às de Augusto Matraga – e, pior de tudo, a queda de Leo Moura, que chorará de saudades do Rio de Janeiro no exílio de Dublin, não será seguida de redenção nenhuma. No máximo umas 500 pratas pela camisa no e-bay.

Outro dia, conhecidos meus se digladiavam a respeito da grandeza de seus respectivos times. Um acusava o outro de defender uma vergonha que carregava um escudo, que o clube do outro não passava de amadores travestidos de camisas coloridas, verdadeiros charlatães da bola. Não foi uma discussão assassina, até porque esses homens gentis decidiram encerrá-la antes de maiores violências corporais.

Todavia, nem todo ser humano é exemplo de sensatez e não são poucos os casos de violência entre vizinhos, colegas de trabalho, casais apaixonados e mesmo entre o dono e seu cão de estimação geradas pelo amor a um time e sua colocação em um pedestal de grandeza, em oposição ao do outro, sempre diminuto, sempre inseto.

Geralmente conta-se os grandes do Brasil em 12. Inclusive, dizem os entusiastas de tal tese, seria mais um exemplo da “exceção brasileira” no desporto bretão: Além da habilidade, da malemolência e dos craques nascidos a cada posto de gasolina, a cada bola de meia, a cada campo de terra (ou lama) da Nação, além da Canarinho de todas as Copas, o Brasil teria uma quantidade de grandes clubes que não se acha em lugar algum da Orbe.

São apontados os 4 de São Paulo, os 4 do Rio, os 2 de Minas e mais os 2 do Rio Grande do Sul. Nordestinos exaltados poderiam incluir o Bahia. Ou melhor, torcedores do Bahia exaltados incluiriam seu clube. Pernambucanos, então, tratariam de… Ok, torcedores do Sport Recife já reclamariam da inclusão do Bahia e pleiteariam um lugar no Olimpo. Naturalmente, os rivais locais reagiriam a tais demandas com muchochos e desprezo, quando não com novas petições de entrada no Oligopólio (que com 15 clubes já não poderia ser mais oligo).

Mas falo dos nordestinos? E os paranaenses? Certamente coritibanos e atleticanos não se sentiriam contemplados. Até aí, descobriríamos novos pleitos Brasil afora. Realmente, a exceção nacional parece realmente exceptuada.

Esqueçamos nossa pátria, por ora. Pensemos no Idoso Mundo. Olhemos Portugal. Um desinformado jamais diria que há um campeonato ali e certamente reagiria surpreso a quem lhe dissesse que não há um triangular decisivo e um torneio com mais de dezena e meia de escretes disputando o título. A vizinha Espanha é ainda mais reduzida. Parece não haver dúvidas de que há 2 gigantes e há o resto. Na França alguém pode dizer que há grandes, mas certamente não há ali a proeminência que existe nos outros países. Deixemos a França para daqui a pouco. A Itália possui o Milan, a Juventus e a Internazionale, gigantes, espetaculares (inclusive em mutretas), e os outros jamais reclamariam a si o título de grandiosos. Contentam-se em buscar o seu devido lugar e comemorar alguma coisa fabulosa de tempos em tempos. E na Inglaterra, não resta dúvida que há 4 grandes clubes. Não resta? É aqui que começamos nossas investigações.

A noção de clube grande traria uma mistura de tradição (que é a história profunda, medida não somente em anos corridos, mas em títulos disputados e vencidos, em mítica construída e defendida, em influência ao redor do país, entre outros atributos inenarráveis, como a capacidade de impor temor ao adversário em qualquer circunstância), grande torcida e grandes conquistas. Fosse uma mera fórmula aritimética, seria fácil.

Vejamos o caso de um time em especial, o Bahia Esporte Clube. Venceu o Santos de Pelé em 1959, possui a maior torcida de um Estado razoavelmente populoso, uma massa de fiéis que tem o hábito de apóiar e freqüentar estádios causando certa impressão, venceu um Campeonato Nacional em 1988 e é o maior campeão do Estado. É grande?

Não responda ainda, leitor. Peguemos o caso do Coritiba. Os coxas-brancas têm 32 títulos estaduais, conquistaram o Brasil em 1985 e também têm a maior torcida de um Estado razoavelmente populoso. É grande?

“Ah, mas esses daí passaram um bom tempo na Segunda Divisão”. Imaginemos que a Juventus passasse 4 anos na Segunda Divisão. O time da Fiat deixaria de ser grande, leitor?

Sobre títulos nacionais, não esqueçamos do Hellas Verona, que sagrou-se campeão no já citado 85. E a Roma de Falcão, o Napoli de Maradona e Careca (sonho com esse Napoli sem nunca o ter visto jogar). Todos conseguiram seus títulos. E ao redor da Europa, de quando em quando aparecem outros times para abocanhar taças. O Chelsea, por exemplo.

Os azuis londrinos são grandes? Certamente possuem destaque hoje. Um destaque conseguido com dinheiro russo acima de tudo, é verdade. Mas quem se atreveria a dizer que não há certa grandeza no Chelsea hoje?

Voltemos à nação de De Gaulle. Hoje, é melhor falar em nação de Carla Bruni, ainda que ela não seja francesa. Há um grande na França? Certamente o Lyon impõe algum respeito em suas terras. Mas há sete anos quem consideraria Lyon e Chelsea grandes clubes? Não é o Saint-Etienne o maior campeão francês? A maior torcida não é a do Olympique? Quem fala no Saint Etienne hoje?

Novamente nosso país. Como dito antes, há uma obsessão brasileira pela grandeza declarada. Um sentimento herdado da Colônia, talvez. Mais do que viverem a luta árdua e o por fazer, os brasileiros parecemos destinados a lutar por declarações. A tolice do “Penta Único”, e do “Campeão Mundial de 51” são aspectos deste caráter nacional.

Se mesmo na Europa, há problemas para falar o que é grande, aqui, a discussão sobre a grandeza ou não de um clube não faz muito sentido, uma vez que grandes fases são transitórias, as torcidas maiores não necessariamente são as mais fiéis e que impor medo ao outro é muito mais decorrência de fases (inclusive de ambientes internos e relação com a torcida) do que qualquer outra coisa. Claro, o dinheiro influi de forma assombrosa. Os casos europeus são evidentes exemplos de que é possível construir fases duradouras e evidenciar vantagens na comparação com outros times – só que isto também não acontece aqui (Quando muito, os aportes de investimento não duram tanto).

Além do mais, regulamentos pouco óbvios, que possibilitavam ao time que mais venceu durante a temporada  ser arruinado em alguns minutos decisivos, nosso tamanho continental, que até hoje fomenta (ou dá pretexto a) a disputa de campeonatos estaduais (fonte de títulos), entre outros fatores, serve de base às nossas conclusões, bastante frágeis. Inclusive, peço ao leitor desculpas por tantas palavras para tamanha fragilidade. Enfim, são nossas considerações:

1- No futebol, a grandeza é construção constante e passível de ser incendiada com o passar dos anos;

2- Mesmo na Europa, há situações-limite em que é difícil apontar a grandeza ou não do time;

3- No Brasil, é difícil falar em grandeza (ao menos em padrões europeus, como sinônimo de hegemonia, de evidente predominância de poucos times sobre outros), porque o país é muito grande e  não há um time que consiga manter-se no topo nacional sempre (avaliando que o Brasil é mais do que os campeonatos paulista, carioca, mineiro, gaúcho, baiano e paranense) ;

PS: Ainda há uma questão a se falar. A imprensa noticia mais sobre os clubes de maior torcida, porque essa consome mais o produto oferecido pela mídia. Naturalmente, estes times ficam mais expostos, e acabam obtendo vantagens em apoiadores/ audiência e conhecimento, além da mais nociva vantagem de todas, que é a influência na organização dos campeonatos, gerando viradas de mesa e trambicagens malandras como as de 93, 97 e 00.

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